Anna Tsvell. Thirst. 2020.
Minhas anotações entremeiam meus pensamentos para o mundo. Eu queria que meus pensamentos fossem a tinta que escorre da caneta para o papel, mas não são. O pensamento é qualquer coisa possível só dentro de mim.
Eu amo esta palavra: impossível.
Eu moro perto da estação de trem e a forma como a grande máquina passa e buzina à meia-noite torna tudo um tanto insólito, um tanto irreal. A madrugada abre um espaço-sensação dentro da memória, que transborda, pulsante, pronta para ser sentida. Eu choro nas muitas insônias por sofrimentos passados, por feridas, perdas e dores que, no fundo, eu nunca quis esquecer.
É preciso que comdor/semdor (com dor até que sem dor) pedaços meus ainda existam, que essa memória permaneça. É assim que eu mantenho os olhos e os ouvidos bem abertos para o que há em mim e para o que há no outro. É nesse meio entre lembrar e criar que eu faço minha escolha de escrever, de pintar, de não deixar certas feridas de lado.
Antes eu tinha um medo: o medo dessa coisa-criação ir embora de mim. Não escrever seria morrer. Mas eu percebi que sou dona dessa coisa-criação, que ela não é algo que chegou até a mim: que ela sou eu. Que sou eu toda ação no mundo. Escrever é minha maior e completa escolha de estar no mundo.