Eles não se conhecem.
Dentro da casa, não se conhecem. Quando ela entra, a sala está escura. É dia, mas as cortinas estão cerradas. De pé, ele está encostado na parede mais distante da porta. Nada dizem. Ela se senta na cadeira. Está cansada da viagem longa. Tem sede, mas suas pernas pesam. Teria de procurar a cozinha, a geladeira (vazia?), um copo na prateleira. Nada dizem. Até que seja noite, permanecem em si mesmos, incapazes de olhar além do dentro. Sisudos. Não sabem quem são. Este é o primeiro dia.
Na manhã seguinte, a casa calada. Ainda não se viram. Ele dormiu no chão, deitado sobre o tapete. Ela dormiu na única cama do único quarto. Na cozinha, dois copos, dois pratos e dois conjuntos de talheres. Não sabem se há algo na despensa. Não buscam saber. A fome não os procura. Ainda estão imersos em si. Nada se perguntam. É um olhar para o vazio. Nada dizem. O homem se levanta para abrir as cortinas. Quando a claridade invade a sala, a mulher emite o primeiro som, que é longo lamento agudo. Tem medo da luz e do que verá. A luz os cega por um segundo. Ver fere a retina.
Não pensam muito um do outro. Mas ver traz o apetite e, unidos e silenciosos, vão até a cozinha. Abastecidos, preparam o café da manhã. Os dedos se tocam na hora de pegar uma colher, mas nada dizem. Enxergar expirou deles toda a energia. Ainda é muito cedo para que tenham força para a palavra.
Assim vivem a primeira semana na casa. Quando conseguem dizer palavra, é a mulher, cuja força sempre se recupera mais rápido, quem diz primeiro. Qualquer atividade como andar até a cozinha ou o banheiro ou desamarrar os sapatos cansa profundamente. Estão deitados no chão da sala. Ela murmura quem é você qual o seu nome. O homem volta-se, olhos vazios. Ele nada diz.
Um mês depois, o homem responde não tenho um nome, assim como você não tem um nome. Ela se ergue, lenta e sobressaltada. Um instante e depois se acalma. Senta-se. Sim, é verdade, não tem um nome.
Por anos, vivem juntos sem saber quem são. Sem força para ir embora. Sem nome, unidos nesse desconhecimento.
Dia 15 de dezembro de 2020 – quarentena – escrito originalmente na máquina de escrever.