Exercício difícil: dizer o que se é.
O que sou? Palavra enorme.
O que cabe dentro de uma biografia?
Não sei. Todas as definições me assustam. Só sei que escrevo.
É assim: sempre escrevi. Escrevi antes mesmo de saber escrever. Inventava histórias na boca da infância. Narrativas e personagens infindáveis que, com meu crescimento, foram diminuindo, tornando-se um de dentro difícil. Doloroso.
Escrever é o que existe de primeiro e maior em mim. Não existe nada que se aproxime mais do que sou. Escrever sempre foi minha primordial escolha de estar no mundo. Minha primeira ação. Foi assim.
Na biografia? Tenho 22 anos. Sou do Rio de Janeiro. Faço faculdade. Tenho uma gata chamada Hilda por causa de Hilda Hilst. Eu gosto de um monte de coisas: tomar muito café, sentar e conversar e beber e rir. Visitar museu. Frequentar sebo. Usar gargantilha no pescoço. Dias nublados e dias frios e viagens longas. Os desgostos eu deixo de lado, que me ocupariam tempo demais.
Eu choro por quase tudo e todos, mas engulo muitas vezes o choro. Engulo tantas vezes o choro e depois passo o seco do que não é lágrima para o papel. Escrever para mim é recriação constante do meu eu fluido. Escrever é também encontro. Comunicação. É liberdade em pensar-sentir-experimentar a vida e mais, além da vida.
É tudo e tanto.
Eu escrevo para dar voz a silêncios que nasceram muito cedo em mim. Silêncio que se entranhou no meu peito, bem no meio das costelas, entre tutano e carne. Esse silêncio grita e regurgita na palavra-papel.
Meu primeiro livro sai ainda esse ano. Foi feito no desejo de fim. Fala principalmente desse silêncio e da dor do abuso e da dor da depressão e da dor de se fazer morrer. Muitas vezes vem o medo. Aquela insegurança que é também da infância de quando primeiro me chamaram mulher.
E, apesar de, é tão bom ser mulher.
É tão bom escrever.
É tão bom compartilhar da coragem de ser o que se é.